sábado, 25 de fevereiro de 2012

Um som, duas solidões [pt. 2]


Rua Aurora. Mas o número da casa de onde viera o misterioso bilhete era 333. Suspirou, o que estava pensando? Não era nenhuma doida de histórias de ficcão, como imaginava em sua infância, destruindo as ilusões de suas pobres esperanças, fumando um cigarro imaginário. Não podia se entregar novamente a mais uma. Mas...

Aquela carta a descrevia. Como se a pessoa que a tivesse escrito, fosse aquela que a havia deixado, tornando-se desde então uma sombra e a tornando então um vulto. Atos e consequências, claro. Porém, ela já era crescidinha o bastante para saber que as consequências são escolhas nossas sobre o impacto que tivemos, não qualquer coisa justificável com um "Sua culpa". Ficou olhando para a carta, sentindo-se culpada. "Pode ser que esse cara esteja esperando alguma coisa de mim, 'seja lá quem eu for'", mas ao invés de ir a casa da melodia, foi subindo a rua escura procurando o número 333 estampado em uma casa. "Apenas quero ficar livre de toda essa angústia", disse, com lágrimas nos olhos.

O som do piano foi se distanciando até sumir, e, enfim, chegou no lugar. Observou cuidadosamente a casa, sem, no entanto, estar interessada. Uma grade branca, um pequeno jardim de flores mal cuidadas por trás, logo após uma escada de três degraus que dava na porta: verde. Acima da porta havia um discreto anúncio, como se a pessoa não estivesse interessada naquilo, de fato: "Aulas de piano."

Andou um pouco de um lado para o outro antes de resolver tocar a campainha. Olhou para o relógio instintivamente, 23:50. Instintivamente também, lembrou que aquele relógio não era dela, mas daquele que amara. Porém, antes de conseguir pensar mais sobre isso as luzes da frente da casa se acenderam. A noite a envolveu como um escudo e ela viu a porta abrir. Uma mulher de cabelos castanhos, quase ruivos, apareceu. Olheiras fortes rodeavam seus olhos levemente verdes. Olhou curiosa para o portão já pronta para expressar sua pergunta quando a outra lhe disse "Me perdoe... Só vim lhe entregar esse bilhete", jogando a carta misteriosa pelo portão, esta se intrometeu entre algumas pétalas murchas e formigas. A dama que morava na casa a fitou perplexa enquanto ela dava meia volta e ia embora.

Sentou-se sobre a sombra de uma árvore ilhada pelo cimento e concreto, observando a dama de longe pegar a carta e começar a ler ali mesmo. Não fazia ideia do porque tinha feito aquilo, com a vontade imensa que sentia de voltar ao pianista e conhecê-lo e esquecer do passado como já havia tentado várias vezes. Foi apenas instinto... Maldito instinto, pensou ao ver uma lágrima cair no chão borrado.

Viu a dama entrar na casa com uma certa urgência e ficou atenta imediatamente. Enxugou as lágrimas e esperou. Alguns minutos depois, viu ela sair como um vulto, destrancar as grades e seguir em direção à casa do pianista. Seguiu-a com os olhos até que a escuridão não permitisse mais vê-la.

Como queria que tudo fosse como antes... Uma simples exclamação positiva com o amor. O que estava fazendo vagando pelas ruas, investigando casas? Procurando ele? Procurando sua sombra, seu pedaço de vida que lhe haviam arrancado? Fosse o que fosse, ela pensou "Estou perto de desistir de você".

Tomou um drinque de coragem e começou a descer a rua em direção a casa do pianista novamente. Não viu ninguém e a melodia do piano silenciara. Foi até a porta da casa do pianista e não ouviu nada. Um silêncio inundava a rua inteira e ela não aguentava mais. Estava para bater na porta quando risadas tímidas surgiram ao longe. Olhou para o lado e lá estava o casal, ao lado de uma árvore. O pianista e a dama. Sorrindo como crianças, nada perto da melodia entristecedora que ouviu antes, nada daquele pianista sem voz que lhe mandara o bilhete. Aliás, a dama era simplesmente a voz que lhe faltava e tudo que fez foi juntá-los novamente, aqueles fragmentos de solidão na noite.

Sim. Dois solitários. Não fazia ideia do que os havia separado, mas seu trabalho na noite foi simplesmente o de ser um estúpido cupido, um triste som da noite que acabaria ali, em silêncio e sendo zombado. Suspirou.

Encarava uma pequena estrela solitária, já longe do casal. Sentou-se na mesma calçada do início da noite, perto da areia suja. Olhou, então, para seus pés feridos e imundos da noite com a impressão de que estava esquecendo alguma coisa. Quem seria aquele rapaz do início da noite, que lhe entregara o bilhete? Ele havia sumido completamente. Um anjo, talvez. Riu irônica.Usou suas mãos para se apoiar melhor no chão quando sentiu uma pequena pressão: o Lírio que havia jogado estava lá, na sua mão.

Observou-o com toda uma parte dela entendendo, mas não conseguiria expressar aquilo com qualquer palavra, então apenas o olhava com algumas lágrimas sujas descendo de seus olhos. E todas as sua intenções e ódio do casal, da vida, dos que foram embora e dos que nunca vieram... A vida podia ser muito mais. Um pequeno fragmento pode explodir em epifania.

Deitou-se no chão, enfim, cansada, erguendo o lírio acima da sua visão, juntando-o com as estrelas. Fechou os olhos e assim permaneceu, sentindo lentamente que desaparecia com o frio e com a noite. E tudo o que restou daquele dia foi a pureza.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Loucura


"Olhares de loucos!", dizem.
100% dos loucos sofrem de amor.
Um resultado inevitável. 
Lamentável.

E dizem que até dançam!...
Uma loucura.

(Ama)

PS: não esqueci da continuação do conto. Ainda virá.